segunda-feira, 16 de maio de 2011

Uma história da revolução sandinista

Uma história da revolução sandinista

-- "Adiós muchachos: A história da revolução sandinista e seus protagonistas", de Sergio Ramírez --

por Maurício Santoro

Sergio Ramírez foi um dos líderes da Revolução Sandinista na Nicarágua, e desempenhou o cargo de vice-presidente entre 1984 e 1990. Nestas excepcionais memórias, cuja publicação em espanhol é de 1999, faz balanço agridoce do idealismo e dos tempos de violência que permearam sua geração. E conclui que valeu a pena, com ressalvas: “O grande paradoxo foi que, no final das contas, o sandinismo deixou como herança o que não se propôs a deixar: a democracia. E não pôde legar o que se propôs: o fim do atraso, da pobreza, da marginalização.”
O livro de Ramírez não está estruturado de maneira cronológica, segue as idas e vindas de suas lembranças. Colocando-as na ordem do calendário, a narrativa estende-se pelas décadas de 1960-1990. O autor era escritor e jornalista na Nicarágua governada pela ditadura da família Somoza, com passagens no exílio na Costa Rica e na Alemanha Ocidental. Ingressou na Frente Sandinista de Libertação Nacional e foi figura-chave na mobilização política que culminou com a derrubada de Somoza, em 1979.
O movimento contou com apoio externo da Costa Rica, Panamá, México, Venezuela e, sobretudo, Cuba. Segundo Ramírez, Fidel Castro foi essencial para mediar as discórdias entre as várias tendências do sandinismo, mantendo-as unidas no combate à ditadura. Alertou os líderes para a necessidade de incorporar outros setores da oposição a Somoza, como empresários e católicos: “Não é que Fidel não quisesse o socialismo na Nicarágua: pensava num socialismo diferente do de Cuba. E talvez visse ali um novo campo de experimentação para que não fossem repetidos erros que, em Cuba, ele não poderia jamais reconhecer nem corrigir.”
O estopim da insurreição geral contra Somoza foi o assassinato em 1978 do empresário Pedro Joaquín Chamorro, um membro rebelde de importante família conservadora, dono de um jornal que criticava o ditador. Outros comerciantes e industriais ajudaram os sandinistas, desgostosos com a corrupção e as interferências dos Somoza nas empresas do país. O roubo da ajuda humanitária internacional enviada após o terremoto de 1972, que atingiu duramente a capital, Manágua, também desgastou a ditadura. Quando a Revolução triunfou, o governo foi assumido inicialmente por nove comandantes, “um poder colegiado, novo na história do país”. Alguns só se conheceram pessoalmente naquele momento, devido aos rigores da clandestinidade.
Ramírez relembra de forma crítica as decisões tomadas pelos revolucionários, que culminaram com o estabelecimento de um regime autoritário, centrado nos irmãos Daniel e Humberto Ortega, que ficaram à frente da presidência e do Exército. Os sandinistas se afastaram dos demais aliados na luta contra Somoza e começaram a implementar um regime marxista-leninista, com a nacionalização das grandes empresas e de boa parte das terras e a repressão aos opositores.
A década de 1980 foi marcada pela guerra civil, com os “contras”, inimigos da Revolução, financiados e armados pelos Estados Unidos. Ramírez observa que os erros econômicos e o radicalismo político assustaram a população, sobretudo no campo, empurrando pequenos proprietários e até camponeses sem terra para a oposição armada. Ele narra o encontro com um agricultor que lutara com os contras: “Nós lhe propúnhamos uma viagem incompreensível do primitivo ao moderno, mas ele se negava, e havia empunhado uma arma para se opor.”
As relações com os Estados Unidos foram tensas. A Revolução ocorreu no governo de Jimmy Carter que, embora receoso dos sandinistas, apoiara negociações para afastar Somoza. Seu sucessor, Ronald Reagan, considerava os contras como “lutadores da liberdade” na guerra global contra o comunismo e usou mecanismos ilegais para financiar a oposição – o escândalo Irã-Contras. Os custos humanos e econômicos da guerra foram altíssimos para a Nicarágua e inviabilizaram os projetos ambiciosos dos sandinistas.

-- Daniel Ortega na campanha de 1990, que tirou os sandinistas do poder após 11 anos --

Ramírez também conta os conflitos com a Igreja Católica. Padres como Ernesto Cardenal e Miguel de Escoto foram importantes no sandinismo, mas o papa João Paulo II e os bispos da Nicarágua queriam conter a difusão do marxismo. As autoridades revolucionárias concordaram com a visita papal ao país na esperança de que ajudasse a apaziguar os ânimos, mas João Paulo II aproveitou a ocasião para repreender publicamente Cardenal, que então era ministro, e ordenou silêncio à multidão que o recebeu em Manágua aos gritos de “Queremos paz!”.

No fim da década de 1980, os sandinistas concordaram em realizar eleições, como parte de esforços para encerrar a guerra civil, que acreditavam que não podiam vencer. As mediações diplomáticas foram importantes e Ramírez elogia o Grupo de Contadora e o processo de paz de Esquipulas, que rejeitaram a confrontação proposta por Reagan e pressionaram por soluções negociadas. Na disputa eleitoral, Ortega fez campanha tendo como símbolo um galo de briga, e sua opositora, Violeta Chamorro (viúva de Pedro Joaquín) só se apresentava de branco. O cenário internacional foi agravado pela invasão do Panamá pelos EUA, dando a impressão de que algo assim poderia ocorrer na Nicarágua. Para a surpresa dos sandinistas, o povo optou por Chamorro, na convicção de que só ela poderia trazer a paz.
Ramírez é crítico do comportamento dos sandinistas nas semanas finais no poder, quando promoveram a chamada “piñata” – uma onda de corrupção e apropriação de imóveis e terras públicas, por parte de dirigentes e militantes assustados com a falta de suas perspectivas econômicas fora do poder. Ao longo dos anos 90, Ramírez deixou os sandinistas, e depois foi derrotado na disputa presidencial de 1996. A edição brasileira traz um prefácio no qual o autor ataca Ortega, reeleito presidente em 2006, criticando-o por suas alianças com políticos conservadores corruptos e por seu apego a Hugo Chávez, que na análise de Ramírez representa apenas o passado e não oferece esperança de renovação à Nicarágua.
::: Adiós muchachos: A história da revolução sandinista e seus protagonistas :::
::: Sergio Ramírez (trad. Eric Nepomuceno) ::: Record, 2011, 350 páginas :::

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